Profundo

27/06/2011

Preciso me distinguir dos cultuadores da “profundidade”. Dos cultuadores da falta e da miséria humana. Onde eles percebem indigência, quero perceber condição de exuberância. Condição de erotismo e música.

Nosso estatuto de dobras na carne do mundo é paradoxal: dobra que marca continuidade e descontinuidade nessa carne (penso um pouco com Bataille e um pouco com Merleau-Ponty). O fato é que somos a descontinuidade que anela pelo contínuo, isto é, somos indivíduos que sofrem a nostalgia de uma ligação fusional com o mundo. É este anelo que, para Bataille, anima nossas buscas eróticas, cuja expectativa é encontrar no outro um apaziguamento da tensão entre continuidade e descontinuidade, entre vida e morte, se pensarmos a vida como perseverança na individuação, e a morte como a dissolução do indivíduo que volta a se confundir com o todo. Bataille lembra que não é à toa que os franceses chamam o orgasmo de “pequena morte”.

Concedo que a situação é paradoxal, mas não consigo percebê-la como miserável. Isso é do gosto dos platônicos. Não se trata nem de miséria, nem de abundância. A carne está dada, e pronto. É preciso saber servir-se do princípio de individuação, e então podemos começar a pensar em riqueza. Então podemos começar a pensar no excesso que produz erotismo e música. De fato, podemos constatar o erotismo e a música. O culto à falta e à miséria é uma espécie de despudor e, muitas vezes, esse cultores são tomados como “profundos”. Os adolescentes ficam impressionados, mas aí não há nada demais.

No entanto, algumas dobras podem ser mais “profundas” do que outras. De fato, não se trata de profundidade: elas parecem mais profundas simplesmente porque nelas existe uma superfície de contato maior, da carne do mundo com ela mesma. Essa profundidade é, realmente, maior superficialidade.